"Ao entrarmos, fomos recebidos por duas funcionárias. A responsável pela casa, Dona Júlia, tinha saído com uma das residentes para auxiliá-la em trâmites financeiro-bancários. Funcionárias simpáticas, mas, sem muito interesse na nossa visita, pediram para uma das velhinhas ser a anfitriã e mostrar a casa para nós. Senhora Marisa, uma senhora muito simpática, amável e cheia de vida. Passeando pela casa me confrontei com cenas incríveis. Muitas me eram familiares e buscaram lembranças fundas no âmago do estômago, mas a dor não veio como achei. Foi reconfortante ver que não abandonei minha mãe como essas velhinhas foram deixadas de lado. Algumas sem forças para andar, algumas ranzinzas (o final da vida pode ser amargurante), mas muitas risonhas. Sorrisos banguelos. Sorrisos sinceros. Emocionante. Tive que me recompor no banheiro, lágrimas escorregaram meio sem querer. Cada uma daquelas senhoras me lembrava minha mãe em algum aspecto. É como se ela tivesse se quebrado em 26 pedaços; mas, digo sinceramente, que a Vó Marisa era a mais parecida. O lance dos olhos, o cuidado com as coisas minúsculas, o apego ao diminutivo. “O mundinho, bonitinho, fazendinho coisinhas”. Tão raro é encontrar pessoas com esse apego às coisas menores, os pormenores da vida. Tão raro achar pessoas que valorizam algo de verdade. Aquela senhora era tão apaixonante, ainda mais que as outras.
Uma senhora, não me preocupei em saber o nome dela, que já estava bem debilitada, inseriu-me numa conversa. Em princípio, queria não fazer parte, pois, estava preocupado com a chegada da Dona Júlia (eram muitos os assuntos a tratar com ela). Não tive coragem de ignorá-la simplesmente. Enfim, conversei 15 minutos com uma senhora, que não podia se levantar e que não tinha nenhum dente na boca, o que não tem nada de errado, afinal, é só um estado externo e superficial; porém, não conseguia entender o que ela falava. Nada, ou melhor, quase nada. Entendi 3 palavras ditas pela senhora simpática: a primeira foi “oi”, a segunda “bom” e a terceira (última palavra pronunciada na conversa e antecedida por uma risada gostosa e satisfeita) foi “Obrigada”. Eu falava com ela, mas jogando as palavras, sem me preocupar com sentido. A única comunicação estava nos nossos olhos. Os dois estávamos carentes, ela de atenção e eu de minha mãe. Tínhamos assuntos de sobra.
O passeio continuou, conheci todas as senhoras (todas graciosas), contudo, essas, aqui escritas, são as minhas lembranças mais fortes. Eu e Lá saímos do asilo sem falar com a Dona Júlia e respeitamos o silêncio que a situação gerou (não pronunciamos nenhuma palavra por mais de meia-hora). Eu saí pleno, completo e leve.
Engraçado como a vida é. Uma tentativa canastrona de se dar bem com a mulherada, se torna numa troca quase espiritual entre indivíduos carentes em tamanho igual, porém, de coisas avessas e de tempos distintos. Não sei se foi por acaso que fui parar no asilo, mas, que foi incrível e espiritual (os céticos me desculpem!), foi."
Autor: Diego (Palhaço Pinguim)
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